sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Seu chão
A folha branca
Onde rasteja
Letra a drama

Acha que engana
Encena à sorte
Viver na poça,
À margem, é morte

Finge forte
Elabora frases
Discorre

Verbo quente
Macula o ego
Socorre.



........................................................................................Para um irmão perdido por aí, meio irmão talvez. "Você sabe que a gente precisa entrar em contato".

sábado, 11 de dezembro de 2010

Tomo uma pedrada por aí, estava perdida pelo ar e pus a cabeça. Vejo estrelas e revejo em seu círculo poético minha estadia nesta vida. Sou tão inútil quanto é, nossas obras nulas. Se é meu confidente o verme, poderia ser você então. Do que me acusa é vítima também: minha presença é tão insgnificante quanto a sua.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dez/12

Do alto do morro avisto a periferia em paz na noite quente de dezembro. A comunidade de alvenaria laranja e cinza cortada por caminhos irregulares e estreitos termina em degraus dissimétricos que conduzem ao campo de futebol no cume, de onde agora avisto as luzes coloridas indicando casas justapostas pela necessidade de um lar, engenharia malabarista na encosta perigosa. Um primor arquitetônico espalhado pelo lado da montanha onde migrantes desfavorecidos repousam.
O álcool e a química contaminam o pacifismo da periferia. Os bares disputam clientes com as igrejas, abençoados são os que esquivam-se destes lazeres e chegam ao alto apenas com as verdades da natureza divina. Caminhando para cima, eu vejo no beco ermo uma negra gingando entre as paredes, sorrindo por onde passa ela acena, cumprimenta e pega uma seda da mão de alguém que a beija o rosto. Devolve a graça e me aponta, alto no campo de futebol.
Na minha mão, já esmiúçado, aguarda um punhado de maconha pela sua noiva que virá lhe envolver formando os dois um só corpo de amor e fecundidade. Na passada larga sobre as sandálias, os degraus calcados pela persistência da passagem elevam ao cime geográfico a mulher e o papel. Com a estampa do Sabotage na camiseta ela me estende a mão em reverência e reproduzo o gesto, há espaço no banco de madeira onde me acompanha no repouso às pernas e contemplação à vista da margem da cidade. O mesmo vento que roça a face impede o desenvolver de um baseado carburante e por instantes o trabalho permanece inacabado. Palavras ao vento, ante-sala da fumaça.
- E lá embaixo Negahá, tá suave?
- Fiquei no mantra, polícia sai do pé, polícia sai do pé que eu vou dar um pega...
- Pura neurose, na perifa a repressão é a mesma de sempre. (...) O inferno está em festa, o Tuma morreu... - Respiro e o vento cessa. Ela coça o braço e olha minha mão.
- Bola logo esse fininho e vê se fuma até umas hora, sem miséria, do verdinho.
Existem dezenas de maneiras de se apertar um bom carburante mas se o fumo não é bom não há milagre a ser feito. Um bem apertado é de respeito. A erva deita sobre o lenço branco, ganha forma enquanto se acomoda no espaço que lhe cabe. Dou o nó, passo a goma e a chama ofusca minha visão: queima como a vela ao santo. A noiva abraça seu homem e dali nasce o fruto da união: a paz. Da minha mão chega às mãos fortes e  delicadas de mulher que ganha a vida trançando o cabelo das irmãs de cultura nas periferias do ABC Paulista. E a fumaça nos envolve e eleva o pensamento à dimensão espacial onde os limites são estabelecidos pelo bom-senso das pessoas de bem. Na noite quente de dezembro, do alto do morro assisto a cidade em seus caminhos tortos.
Vou agradecendo a vida que Deus do Céu mandou.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os bloqueios estendem-se pela avenida. Eu pulo dum, desvio doutro, atravesso aquele e paro no menor. O menor está armado e ignora o que todos acham. Todos acham. Outros tem certeza por esmiúçarem vírgulas. Bloqueado eu caminho, ainda não sei para que. Pergunto-me: estou fazendo hora extra aqui? 
Nunca gostei de fazer hora extra.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

A respeito dos pássaros, tenho visto víboras serpenteando por onde ando. Os pássaros costumam cantar na janela anunciando o verão e não acho que os verei este ano; tendo recuado para o interior da casa e aqui me trancado a presença deles difícilmente se fará percebida. Fujo o máximo das cobras nas reconstruções; furto-me às malícias destiladas em suas peçonhas, mas preciso destas para entendê-las: o melhor antídoto é feito do próprio veneno. Entretanto o que, de fato, me ocorreu para que voltasse a caminhar pelo pântano é que não posso ouvir os passáros furtando me às cobras: estão todos lá.
E serpenteando pelo lamaçal negro de piche e concreto vem a cobra guiada pelos odores, cheirando tudo que vê pela frente me encontra: a sua presa de hoje; dá o bote e por mais um dia garante sua deplorável e necessária existência, distraído eu estava ouvindo os sabiás pelo caminho.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eu escuto ela gritar. Não me agrada gritaria. Eu não gosto do sotaque dela. Eu nunca mais vou ser atropelado só para não ter que conviver com as vizinhas-donas-de-casa-entediadas. Elas gritam, urram seus preconceitos para que eu ouça. Fazem com que suas vozes demasiada irritantes cheguem ao meu ouvido: bandidos maconheiros. Desperta em mim aquele velho ódio. Mas o bandido maconheiro aqui não tem maconha para fumar. Nem mais paciência e serenidade para ouvir calado toda a sabedoria de uma dona-de-casa semianalfabeta que veio do Cariri no último pau-de-arara. Eu adoro o nordeste, tenho sangue baiano. E meu sangue baiano-paranaense-paulista quer mandar ela tomar bem no meio do cú e dizer: cala a porra da boca paraíba retirante de merda. Não é preconceito, é só ódio. Uma ode à burrice.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

E, como não vou escrever na carta, nem vou escrever mais uma carta, se quer saber terá que aqui vir a ler, lhe digo que o meu sol ainda não encontrei. Achei que se escondia atrás da serra, mas sua insensatez mostrou-me o contrário. Eu estou prestes a ir embora e se é o que também quer, vá. Não encontramos nossa luz: não encontraremos iluminação alguma enquanto nos olharmos no escuro.
Eu escrevo para mim. Vez por outra alguém cai aqui, logo se vai. Caio por aí e demoro para me encontrar. Estou emburrado, estou nervoso, estou irritado e já cansado venho há muito tempo de estar assim. Um sorriso me acalmaria, o seu sorriso, nega-me com certeza. A vontade é de gritar, ódio que vem de novo e bate a porta da boca; abro e rumino por tempo, qualquer medição dele é vã, ódio é eterno e como dura! Dura até o tempo de sair por aí na chuva querendo esquecer a raiva, mas nem mais posso andar pelas ruas escuras da madrugada bernardense: minhas duas pernas estão quebradas, meu coração está partido e o choro de ódio quer sair pela boca expurgando reminiscências e expulsando essa desgraça que me empurra para baixo. Mas nada posso fazer. 

domingo, 26 de setembro de 2010

Em algum lugar hei de encontrar beleza efêmera. Como as borboletas e joaninhas que cercaram minha infância, como a paz que fito no olhar dos tranquilos e, de certa forma não destrutiva, invejo esses que aceitam passivos toda a desgraça que acompanha a vida lá fora. Ontem ele me disse que devo ter serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar. Hoje procuro o caminho das flores donde me perdi em caminhadas vãs pela grande urbe, e está tão longe agora que já não sei se alcanço o sorriso dela novamente; me perdi. 'E vivi perdido, vivendo em erro, sem querer me machucar de novo por culpa do amor.' Toda beleza é efêmera e felicidade é não viver procurando.

domingo, 19 de setembro de 2010

Perdão senhor, se estou aqui é porque pequei.
Pequei contra a inocência. Por minha falta inconsciente eu fui punido com a mão pesada da justiça divina cuja ira não pude suportar e sucumbi multifraturado sob dezenas de seus servos. Ante os olhos da multidão meu corpo desarticulado permaneceu, assim como um tapa rubra e formiga a face, sua mão sobre mim deixou o registro de toda dor que por anos eu recusei sem negociação. Qual era sua intenção? Tornar-me inútil para minha vida ou minha vida inútil para o seu mundo? Ainda ouso perguntar, sabido estou da resposta. Eu nasci a 19 de Abril. Eu sou a véspera.
A roda viva me hostilizava, semimorto, suicida. Às dezenas, como previsto por Trevisan, fumavam, riam e discordavam se era eu um suicida ou desatento. Fui difamado, caluniado, humilhado, multifraturado. Pelo que estava pagando? O preço é alto. Saiba Deus, não me tirou um ano de vida, me deu todos os outros para viver sem toda aquela merda que eu vinha carregado desde que levou meu Pai daqui. Toda aquela gente estúpida e sem graça que vinha junto com a merda carregada com honra em meus braços. Toda aquela gente inerte que acha. Toda a sorte de imbecis.
Se estou assim é porque pequei. Contra a minha inocência, contra a graça e o amor de viver em paz. O preço é a sua ira. 5 meses atrás, exatamente, 10 toneladas de aço e gente e vivo para contar que eu não sei quem era em meu corpo por todos esses anos.
Adeus, mundo cruel.

Que haja vida.

terça-feira, 6 de abril de 2010

"Jubiabá dizia:
- Ojú ànun fó ti iká, li ôkú.
Sim, Antonio Balduíno bem sabia que o olho da piedade já vazara e que ficara somente o olho da ruindade. Na noite misteriosa do cais, cheio de músicas diversas, ele quis soltar a sua gargalhada alta, que era o seu grito de liberdade. Mas ela a havia perdido. Estava desmoralizado. Já não era o imperador da cidade, já não era Baldo, o boxeur. Agora a cidade o apertava como corda no pescoço de suicida. Diziam que ele tinha se vendido. E o mar batendo nas pedras, os navios que saíam iluminados, os saveiros que partiam com uma lanterna e um violão valiam como chamados irresistíveis. Ali estava o caminho de casa. Viriato, o anão, entrara por ele, por ele entrara o velho Salustiano, outros entraram também. No peito de Antonio Balduíno estavam tatuados um coração, um L enorme e um saveiro.
Pegou o gordo e fugiu para o mar num saveiro. Ia procurar nas feiras, nas cidades pequenas, no campo, no mar, a sua gargalhada, o seu caminho de casa."

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O diabo atenta.

terça-feira, 30 de março de 2010

Quando a Lua se ergue, soberana, sob o véu.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Deitei de lado, as costas doíam horrores e o conforto não faz questão de abraçar quem vem o desprezando há tempos. Os contornos do rosto de ninguém vem mais à escuridão embalar meu sono. A planta não floresceu ainda, devo escrever para tentar entender esta entressafra de ilusões. É ruim não poder dormir ao som de Haydn, nem ter com quem sonhar, nem fumar para poder viver. Todo fim de março é a mesma pasmaceira, àquela que me fez andar sob o sol que funde o asfalto devo inércia. Respiro; troco o lado e, traído pela fresta, ataca-me um raio de luz. Veio como barra de ferro à cabeça do desavisado.
Finalmente cessam as dores e nada mais lembro.

sábado, 27 de março de 2010

Talvez seja o fim da lida, o começo de outra estrada, valeu essa corrida, colhi no jardim da vida a flor que nunca se acaba. Nem o forte amor de Hércules, nem o grande amor de Pery poderá sobreviver. Mas o nosso amor maluco há de encontrar outro mundo, quando isso acontecer.
Para mim não mais importa onde esse rio deságua, pois o mal que mora aqui é natural de outra raiz, não se curve, minha cara. (Camalle)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Hoje eu vou de guaraná
Vou pedir um frapê
Nada de bebida quente
Talvez água perrier
Não quero mais um mar
De aguardente
Decidi não mais ceder
A tentação de entornar
Eu saquei que a ressaca
Não vai mais passar
E você não vale o estrago do úisque
Não vale o gim, não vale o rum
Nem a dose de 51
Você não vale o gole de vodca
O sangue de boá, a taça de moet
O fogo da cachaça e do saquê
Hoje não tem porre, não tem birita
Não tem goró
Nem um tapa, nem um pega
Nem um bico
Agora eu vou te esquecer
À seco

Hoje eu vou de guaraná...
Com arsenico!

Arsenico - Elio Camalle/Celso Viáfora

domingo, 21 de março de 2010

Ritinha matou nosso amor, de vingança, nem herança deixou. Causou perdas e danos, os planos, pobres enganos dos seus 18 anos.
Vou alocar aquele Kerouac que nunca li entre os meus e procurar assunto que você, Ritinha, me rendeu muito pouco. A chave eu joguei por debaixo da porta.

sábado, 20 de março de 2010

Ella reverbera. Todo mundo está errado mas eu.
Se tocasse pandeiro e cantasse seresta...

sexta-feira, 19 de março de 2010

Na plataforma de desembarque os onibus encostam, saltam passageiros. Saltei eu lá e procurei entre as pessoas, pelo telefone. Fora do terminal, no bar, na praça, no portão, será que a campainha está quebrada? Em lugar nenhum.
Foi como fumaça qualquer coisa que eu procurava sob o sol da quinta feira.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Oficiais da lei do 1° DP de São Bernardo do Campo: Obrigado pela audiência. Vocês tem agido muito corretamente quando das abordagens cotidianas: não somos bandidos nem doentes.

terça-feira, 16 de março de 2010

Vou escorrendo pela alameda
Aglomerando no meio-fio
Acumulando

Vazio,
Preenchido em instantes
Por um milhão de dúvidas, caiu.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Bilhete Furtado

É um buraco não muito grande, iluminado apenas nas partes altas e de uma estreiteza singular. A profundidade deste buraco varia pela altura (o tamanho por bem dizer) do ente que o frequenta; um anjo é grande portanto vai ao profundo desconhecido do poço. Há sempre quem conduza: amigas ou amigos, que o serão apenas enquanto semelhante a intenção. Após chafurdar no mais baixo da tripa escura, se quereis sair o fará só: esses amigos não são pra essas coisas. Todos os estágios são comuns; o uso, o dinheiro, a posse, o vício em vertiginosa queda. E essa pessoa segurando na sua mão não o faz por que bem lhe quer: o faz apenas para ter uma mão para afundar junto. Dispenso sem remorso os que assumiram tais papéis na minha vida. Pois leva tempo para saber quem quer o que, creio que triste será essa constatação quando for hora de saber.
É sempre tarde.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Glauco

Leio a Folha desde 1994, do 'boom' dos fascículos. Ainda leio todo dia, virtual ou no papel e a primeira seção visitada é a Ilustrada, pelas dicas, matérias e pelas tirinhas (e o horóscopo; "tenho instrução suficiente para não ser supersticioso mas sou"). Não lembro da primeira vez que li Geraldão ou Dona Marta, lembro a página da Folha naquele primeiro domingo, em 1994: os refugiados da fome na Etiópia, em preto e branco por Sebastião Salgado e dizia na legenda que eram imagens muito fortes para colocarem em cor.
A miséria humana.
A que descolore o fato, que mata gente. A mão que tira a vida de outro por ódio, inveja, pela sua própria incompetência. A mão que tira a vida de outra espécie por julgar que tudo aqui está para lhe servir.
Fomos perguntados há 5 anos se queríamos a proibição da comercialização de armas de fogo, e pela nossa própria (falta de) segurança decidimos que devemos ter o direito de portar uma arma de fogo. Talvez essa arma não existisse e uma vida ao menos fosse poupada. Mas vivemos em constante miséria, tornamo-nos refém dela.
Mas hoje quando a página inicial abriu o cara tava morto, e o filho.
Ainda assim li a tirinha de hoje, que segue, sinistra.


"O Socialismo ou à Barbarie". Escolhemos à barbarie.
Ainda vamos demorar uns 300 anos para enfim repousarmos no socialismo. Até lá, salve-se quem puder.

terça-feira, 9 de março de 2010

Para aprender o meu nome.
Cecília Meireles

Até que me seja enfim revelado que a vida em mim não tem o meu nome.
Clarice Lispector

(Nádia Gotlib)

sábado, 6 de março de 2010

Quando há nada para fotografar enquanto divago, além da via entúpida ou dos olhos do motorista procurando na saia da morena pelo retrovisor, o pensamento não acata Debord no presente e desolado então desprezo a circunstância. Há um ar mágico que reage, quimicamente, quando ignoro o torno e me lanço ao mundo: entro em sintonia, na mesma frequencia tudo flui. E à fluencia das mercês o paredão azul serve de céu para a imaginação do que desenha seus sonhos ao que sonha com seu desenho uma saudade que não existe. O teco-teco desliza pelo céu silencioso, carrega a expectativa. Bientôt Retour Mon'Amour. Na faixa que o vento faz dançar a sutileza do movimento imaginário no estático real, o instante traz da música à calma no desgastado azul, mon'amour sourires sur le ciel, que sei eu?, que estou lá e cá saboreando os meus dias sem querer fixar? Viajo enquanto sinto o vento, desejo, o sorriso e o beijo. Milet. Me levo até aí pelas asas da imaginação de um saudoso amigo, que muito não vejo. Mas sou despeitado, sou desagradável, também creio sofrer do fígado. Minha mágica é descoberta pelo Mister M dos corredores, o motoqueiro mascarado puxa o trânsito que escorre sem pressa enquanto entre os carros outros mágicos, malabaristas, palhaços e vendedores disputam cada palmo de asfalto a fim do pão de cada dia, no espelho mirado o motorista admira o ganha-vida da morena que pela janela do ônibus compra uma pastilha de hortelã.

segunda-feira, 1 de março de 2010

"Na verdade, se é possivel que me lembre de meu estado, quando estava ao lado do poço, parece que eu gritava, dentro de mim, a essas infelizes que se afastava para ver o atentado: "dêem um passo em minha direção, manifestem o menor desejo de salvar-me, corram a reter-me e estejam certas de chegar tarde." Na verdade eu só vivia porque me desejavam a morte. O encarniçamento em prejudicar e atormentar esgota-se no mundo. Não no claustro."

Denis Diderot - A Religiosa (escrito em 1760)

Pois é o mundo nosso claustro; esses que me olham são como todas as virgens consagradas ao homem santo que quanto mais santo mais virgens quer; esse mundo, nosso claustro, nos quer ver vivo para que nos possa ver sofrer.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Passo os dias a suspirar, as noites também. Minha cabeça lá, no prazer de dizer seu nome, o tomo para mantra e trabalha em mim como na cadeira o marceneiro. Pos-me a mover rumo qualquer coisa de boa neste mundo. Os livros voltaram a excitar, estão espalhados pela casa e todos em atividade intensa; A Religiosa do Diderot foi minha fuga esta tarde, o século XVIII se abriu como refúgio seguro, o espaço a alienar o tempo que nos separa em desatino.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

José Roberto Arruda, Democrata.
Personificação da Democracia da direita Brasileira.
Se candidato, assume novamente.
Sou Trabalhador, invadi a feira dessa democracia.
O povo traz na testa uma etiqueta de preço.
Eles tem a moeda e essa democracia.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A vida é um campeonato brasileiro. Altos e baixos, má fase daquelas que a bola bate na trave, chuta chão e só machuca. De vez em quando o time vai e ganha tudo. Preciso afinar a zaga, ajeitar o meidecampo e afiar o ataque; vamos pro segundo turno e a arrancada deve ser arrasadora, atropelar adversários e assim erguer a taça que desse jeito bagunçado não dá nem libertadores.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Não é bobeira, que nada. Sinto aquela coisa da janela do hotel, lembra?, uma coisa parece que no diafragma, talvez no coração, vai até a ponta dos dedos depois volta, coisa maluca. Nesse calor dos infernos eu queria estar abraçado com você, tudo suado e grudando, não faz mal. Mal faz você aí e eu aqui. Saiba só, mesmo que não seja recíproco e não lhe importe, que não consigo nem sentir tesão por outra, tenho esse defeito monogâmico e você está tão em mim que não tem mais espaço. Eu te amo, você sabe. Prometo meu Amor, estou me regenerando, talvez arrume até emprego. 2010 pode ser nosso esquenta, o grande desfile em 2011. Em clima de carnaval, Cito Cartola, queixo me às rosas, mas que bobagem!, as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti... Ah, devias vir para ver os meus olhos tristonhos...

Eu não quero mais sonhar os meus sonhos, quero sonhar os seus sonhos, sempre com você.

Te Amo e...
Só não vá se perder por aí...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

"Na manhã do 1º de novembro a cidade estremeceu, abalada profundamente, e começou a desabar. Eram nove horas, dia de Todos-os-Santos. Nas suas casas ardiam as velas dos oratórios, e as igrejas regurgitavam povo a ouvir missas. Toda a gente, numa onda, correu às praias; mas, rolando em massas, estancou perante a onda que vinha do rio, galgando a inundar as ruas, invadindo as casas. Por sobre este encontro ruidoso, uma nuvem de pó que toldava os ares e escurecia o sol, pairava, formada já pelos detritos das construções e das mobílias, que o abalo interno da terra vasculhava, e os desabamentos enviavam, em estilhas, para o ar.

A onda do povo aflito, retrocedendo, a fugir do mar, tropeçava nas ruínas; e as quedas, e a metralha dos muros que tombavam, abriam na floresta viva, aditada pelo vento da desgraça, clareiras de morte, montões de cadáveres e poças de sangue, dos membros decepados, com manchas brancas de cérebros derramados contra as esquinas. E as casas erguiam-se com as paredes desabadas, os tetos abertos sobre os esqueletos dos tabiques, mostrando a nu todos os interiores funestos, neste dia em que, para muitos, Deus julgara e condenara Lisboa, como outrora fizera com Sodoma.

Por isso rouco trovão dos desabamentos se ouvia cortado pelos ais dos moribundos, e pelos gritos dos homens e das mulheres, abraçados às cruzes, aos santos, às relíquias, soluçando ladainhas, ungindo moribundos, parando esgazeados a cada novo abalo da terra que não cessava de tremer, arrastando-se pelo chão, de joelhos, com as mãos postas, a face em lágrimas, a clamar: Misericórdia! Misericórdia!

Casas, palácios, conventos, mosteiros, hospitais, igrejas, campanários, teatros, fortalezas, pórticos, tudo, tudo caía. 'Se visses somente o palácio real, diz uma testemunha, que singular espetáculo meu irmão!' Os varões de ferro, retorcidos como vimes, as cantarias estaladas como vidros. A onda do rio sorvia num momento o cais do Terreiro do Paço, com os barcos atracados coalhados de gente. Dos andares altos precipitavam-se sobre as lajes das ruas. O medo crescia, vinha loucura: viam-se mortos arrastados pelos vivos, viam-se mutilados coxeando, gente correndo desgrenhada, seminua, homens e mulheres, velhos e crianças, dilacerados, sangrentos, arrastando uma perna fraturada, esvaindo-se em sangue por algum membro decepado. Gritos, choros, clamores, imprecações, ais, preces, um burburinho de vozes desvairadas acompanhava os gemidos comprimidos dos soterrados nos escombros.

No turbilhão das ruas, havia quedas e mortes, abraços e agonias. A mesma loucura dos homens era o desvairamento dos brutos: os machos, desbocados, arrastavam os cavaleiros e as caleças, precipitando-se nos despenhadeiros da cidade montuosa; e a massa de gente viva, moribunda e morta, de envolta com os entulhos, rolavam nas ruas ladeadas pelos esqueletos das casas dando uma imagem desolada do que seria o caos. Quando a terra se subvertia, quando o mar vinha subindo, a afogar a terra, quando no ar faiscavam as línguas flamíferas rutilantes, que lembrança poderia haver das invenções humanas?

Abraçados, confundidos, na comunidade do pranto, fidalgas e freiras, meretrizes e mães, mendigos e senhores, vilões e cavalheiros, abraçavam-se na comunidade da fome, do frio, da nudez, do terror. De rastros a cidade inteira, sacudida pelo abalo formidável, reunia toda a sua eloqüência numa palavra única - Misericórdia! Misericórdia!

Mas vinha o clarão das chamas com a sua luz sinistra; vinha a labareda fustigar com lume a pobre gente seminua, tiritando sob o açoite de um nordeste frígido. Gelava-se a ardia-se a um tempo; sufocava-se em fumo e pó. E as labaredas cresciam, e o incêndio lavrava, e aos gritos desvairados dos infelizes juntava-se o crepitar das madeiras, o estalar das cantarias, a cascalha dos espelhos, dos cristais e dos charões, que o fogo devorava. A densa nuvem de pó que escurecia tudo, iluminava-se com os clarões vermelhos que rebentavam por toda a parte, porque Lisboa inteira derrocada era um braseiro. As línguas orgulhosas das chamas subiam emproadas para o céu, juntando às preces lacrimosas de habitantes como um protesto satânico dos elementos.

Outros protestos, mais positivos e igualmente horríveis, atroavam agora os ares: os escravos vingavam-se da sua escravidão, os mendigos da sua pobreza, os maus da sua maldade. O assassinato, o estupro, o roubo, como numa terra posta ao saque, rolavam de envolta com as ruínas e o fogo; e por entre os destroços ainda apagados viam-se os perfis negros dos escravos, rindo infernalmente, com os olhos injetados, os dentes brancos, a atirar tições ardentes para cima das ruínas, aumentando o incêndio, aclamando a chama vingadora... Misericórdia! Misericórdia!

Calcula-se terem morrido neste dia, em Lisboa, de 10 a 15 mil pessoas. Dessa hecatombe nasceu o poder do marquês do Pombal... O terramoto fez-se pois homem, e encarnou em Pombal, seu filho."


Oliveira Martins sobre o Dia de Todos os Santos de 1755, feriado religioso mais importante de Portugal à época, dia do maior terremoto da história portuguesa.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Seu Pedro chora lá de cima do Morro da Nuvem as lágrimas que vês amontoadas pelas ruas outrora alegres das cidades cinzas. Chora vossa alegria desmedida de comprar. Chora lágrimas de ódio. Chora pelo Deus morto da compaixão. Chora por tu, por mim nunca chorou, nunca teve esperança. Chora pela tua consciência limpa. Chora engasgado na fumaça do óleo diesel em combustão levando teu alimento. Chora pelo teu direito de ir e vir. Chora sobre os restos inconsumíveis da tua gana trabalhadora. E chora, como chora Seu Pedro. Hoje não chorou, sorriu com tamanha alegria que ofuscou teu espelho, o pano azul lá em cima cobriu teu corpo morto pela carreta que não viste rasgando à toda pela direita, Seu Pedro, vai sorrir de novo amanhã.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Uma pequena rima canalha escapou da ponta dos dedos e foi parar no pano preto, uma espécie de rotunda que me separa do lado de lá, e como canalha, mal compreendida. Ando ruim dos dedos, meio desnorteado depois da surra que levei. Estava parado no poste, tragando lícito, uma moça muito linda com um rosto de lua cheia e olhos de cor indecisa chegou na minha frente e , sem mais delongas, soltou a mão no lado direito da minha cara torta. A slap in my facelift. Como decidi não mais ceder à tentação de revidar, virei o outro lado. Ela bateu. Soltou a mão de fazer inveja a Maria Ester Bueno, um fronthand mais potente até que o do Federer. Eu apanhei quieto, rosto formigando sem saber porquê. E com a face torta e avermelhada avistei atrás do palco uma dona que parecia estar na mesma situação que eu. Aí surgiu uma pequena rima canalha, sou péssimo para puxar conversa, então usei. Assim ficou o dito pelo não dito, mal entendido. Mas a conversa rendeu frutos. Falando da África, rascunhei um texto que logo poderão ler aqui.
Acho que tudo isso é culpa desta enorme lua cheia. Linda Lua Cheia.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Parece cocaína mas é só a tristeza que escorre pela guia e deixa sua marca odora pelo ar. Arrasta insetos e cadáveres de roedores, restos de fruta e lascas de compensado barato desgrudadas do todo ainda lar. A polícia passa, os assistencialistas passam, as ovelhas cortam caminho à igreja, até o IBGE esteve aqui. (e nunca mais voltou.) Universitários opinam, sabem de tudo. Sabem de porra nenhuma, pagam pela própria educação depois de terem estudado a vida toda na rede pública. Estudaram a vida inteira em escolas particulares e hoje dizem-se os capazes de estudar em universidades públicas, no curso de filosofia donde sai rezando missas sobre ética, sendo o seu próprio ingresso no ensino superior público falta de ética, ou ética torpe, ética lateral, valores morais por milênios levianos. Quem nunca sentiu saudade vira mestre na diáspora. Quem nunca sentiu o cheiro fala de saneamento básico. Quem nunca amou escreve poesia. E para isso, quem sente saudade, o cheiro e ama é o tolo. Corre verde por conta e risco enquanto a gravidade assim o permitir até que se encontre novamente sob o solo.
A esgoto que brota do asfalto, suas centenas de fotos e escritos encontram-se na contenção do meio-fio, descendo, para onde eu não sei.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A feminista reacionária ainda não entendeu como é estúpido ficar falando mal de homem. Não vivem sem, mas o pior é que elas se submetem. É o 8/80. Ou é dona de casa submissa ou pseudorevolucionária se sentindo igual aos homens por fazerem as mesmas merdas que eles fazem. Péra lá bucetinha: quer tirar o seu Jones pra ser a Sra. Jones? Fazenda dos Animais aqui não! Alienação da Mimosa é tão nociva quanto a ambição do Bola-de-Sebo!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Se é Física
OrtoFísica
MetaFísica
ParaFísica


Tambor é Poder.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SOL EM TOURO, ASCENDENTE EM SAGITÁRIO – PÉ NO CHÃO, CABEÇA NAS ALTURAS


Compartilho com minha leitora predileta, quiçá única, a razão da porra-toda.

Em seu mapa, Márcio, o signo de Touro se combina ao ascendente em Sagitário: dois signos muito diferentes, de elementos psiquicamente opostos, pois a Terra mergulha na realidade concreta do mundo material, enquanto que Sagitário aprecia as alturas estratosféricas. Esta contradição pode ser tanto enriquecedora quanto angustiante, e você pode mesmo correr o risco de muitas vezes se portar de forma incoerente e ambivalente, que deixa as pessoas fascinadas e, ao mesmo tempo, confusas. Sagitário, seu ascendente, se traduz por uma busca pelo sentido maior da vida, cujos interesses passeiam pelas questões mais amplas e cósmicas, enquanto que Touro (sua essência solar) é profundamente mergulhado no mundo da matéria. Um lado bonito para este tipo de combinação é que você pode ser o tipo de pessoa que aplica idéias criativas (Fogo) no cotidiano material (Terra), alguém capaz de dar cor ao cinza do dia-a-dia, mostrando o quanto de magia existe nas coisas mais ordinárias.

Tanto Touro quanto Sagitário são dois signos em geral bem humorados, de modo que esta combinação resulta numa atmosfera algo "bonachona", afetiva, amável, que aprecia uma boa piada e que sente um grande prazer em estar vivo, gostando de sorver a vida até a última gota que ela tiver a oferecer. As boas coisas da vida lhe atraem, e você tem uma sensualidade natural que não hesita em usar quando lhe convém, cuidado apenas para não abusar e ter problemas decorrentes dos excessos, sobretudo sexuais e/ou alimentares!

O grande problema da combinação Sagitário + Touro é que você pode flutuar de interesses muito rapidamente, e manifestar um conflito entre seu profundo desejo de liberdade, do estilo "não gosto de ninguém que me controle" e seu outro lado taurino, mais controlador e que deseja uma relação estável, ou trabalhos mais sólidos. Este tipo de conflito entre liberdade X solidez termina se resolvendo mais depois dos 30 anos, quando a pessoa está mais madura e compreende que todas as coisas têm um preço.

A Noite


Gira feito uma criança

Ri feito criança, gira

Nunca vai mudar




Girassóis da noite

Giram a sós na noite

Tentando esquecer a solidão


A noite nunca vai mudar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Não, não vou ficar nessa. Não estava errado, não desta vez. Ela foi dar ouvido para o amigo lunático, para a amiga sapata que não pega ninguém e está doida por ela e só ela não percebeu. Foi dar ouvido para o amigo gay. Deu ouvido para todo o planeta menos para mim, que quero bem. Quer viver no buteco, com amigas que vão te arrastar para os delírios do pó? Que assim seja.
Já fui muito destrutivo, dessa vez não. Não estava errado, não desta vez. Não, não vou ficar nessa.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

6 letras.
6 letras.
6 letras.




Nomes.
Sentimento.
Tempo.






Amor é como catapora, dá na vida uma vez só.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Os maleducadinhos estão lá fora.
Eles estão lá fora. Os três pretinhos de camisas brancas em suas motoquetas inorgânicas, depois vão para o troca-troca e limpam tudo antes que eu possa pegá-los. Gritam, xingam, apedrejam tudo. As casas, os carros, os moradores. Da janela miro a orelha preta do gritador e meu cigarro cai aceso no chão. A orelha preta escapa ao meu brasão. Eu odeio mais que eles podem imaginar. Eles só tem 8, 9 anos de raiva, já acumulo 26. Fontela morreu aos 58, só, no sanatório, sem dinheiro. Sem amigos, sem emprego e sem dinheiro e triste porque essa é a face que nos foi revelada e a única que conhecemos. Mas os pretinhos tem uma espécie de radar e sentem quanto os odeio. Saem com seus infernos em silêncio e na minha cabeça a maquinaria volta a funcionar, o ancinho, raide aéreo. Então posso odiar o resto do mundo. Odiar o ódio que sinto. Roçar a navalha na carne e sentir dor, fuga do ódio. Eu preciso descansar, de tudo, em paz.
Estive longe por muito tempo.

sábado, 23 de janeiro de 2010

No meio do céu uma brecha azul sufoca ante o cinza soberano sobre minha cabeça. Está tudo bem, mas não me leve a mal. A água que escorre do morro encharcado impossibilita que nós, os transeuntes, andemos plenamente pela calçada lodeada, nos relegando à guia em certos momentos, enquanto os donos da pista aceleram rumo Esperança, sair pela Tiradentes é risco iminente de perder a vida. Pra que fingir, que tudo está tudo bem. Pé no meio-fio, pé no calço molhado. Meu tênis velho não protege tornozelos e artelhos da água que desce da encosta encharcada. Na minha vez, você não quis entender. Molha o chão esta melancolia que embebe meu corpo já do primeiro luar e finda na vontade de abraçá-la, estraçalhada pela realidade da compreensão na má amizade. É um poste de base exposta, outro obstáculo ao pedestre da periferia, sinto como queria andar pela rua gozando uns instantes da noite antes de morrer atropelado por um escriturário de carro popular, se antes pudesse gozar um instante de paz. Fingir pra quem, se tudo está tudo bem. Fevereiro vem de novo, temporada de questionar aberta, é bom estar em aula e é isso que importa. Não sei se importa, que importa eu me esconder de tudo atrás de um livro. Gozo a paz de estar só e poder ser triste. Essa é minha felicidade. Está tudo bem, se vai mal.
Está tudo bom, vendaval.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dona Maria encerra a escadaria dissimétrica e dispõe sacolas pláticas à mesa, engole água gelada pelo filtro de barro enquanto uma gota rebelde escorre pelo queixo e rega os seios da mãe de 4 filhos, brota um sorriso negro. Ajeita maças entre bananas, guarda na geladeira ovos e mortadela, espaço curto no meio de latas de cerveja, arruma tudo antes do descanso no sofá, só falta a prestação do fim do mês e o sentador pago à suadeira será, definitivamente, dela. No açougue ouviu os relatos da noite anterior, acertos e desacertos, polícia, usuário e traficante, a santíssima trindade da favela e a lei do fiou, morreu. Sempre morrem os usuários que não pagam nas mãos dos traficantes que morrem quando não acertam com a polícia. E ela, Dona Maria, não usa, trafica, ainda menos policía. Deus do céu, o sinal dos tempos. Ergue a cabeça pela janela e estende-se a favela por tudo que ela olha. A televisão funciona, quanta tragédia. O Haiti, coitados. Negros em favela que morrem de fome se não roubarem, mas lá, no Haiti, não há o que roubar, é tudo uma grande favela e nossos ‘piriquitos’ protegem com a própria vida os bairros ricos (será que tem mais de um?) de toda a extensão pobre. É como aqui, polícia protege quem tem de quem não tem, questão de classe. A velha sentada sente saudade do abraço negro do filho que foi pra longe ganhar a vida, negro sem emprego fica sem sossego porque sente fome, a negra outrora deslumbrante jurava torpor a filho polícia, traficante, usuário. Cada um alheio em seu canto. O negro e seu canto. A mulher branca de sobrenome complicado diz que lá na América Central as crianças são órfãs e o povo precisa de ajuda, Dona Maria olha pela janela e suspira um, Coitados. Desgraça lá, fatalidade aqui. No morro grande e belo que despencou foi tragédia ambiental, a fúria da natureza, como lá no Haiti. No morro grande e feio que despencou a culpa foi do pobre, quem mandou construir lá? Mas isso é passado. Agora o mundo vê com Dona Maria que a tragédia no Haiti começou. Lá as pessoas estão morrendo, fome às crianças negras. Ao negro, raiz da liberdade.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Tudo que repousa nas prateleiras da biblioteca é criação humana. A criação humana é uma criação menor. Prisão ou liberdade de pensamento, criação menor, o fruto do intelecto humano é apenas parte de tudo que há por todo espaço geofísico que se pode notar. Das profundezas dos mares e do planeta a mais longínqua estrela, criação maior. E há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia.¹ Filosofia, cria da existência. Se a raça humana for exterminada nenhum livro de nada servirá, existindo ainda as bibliotecas com suas máquinas de café e toneladas de papel que o Senhor Seu Tempo devorará pacientemente, até que se constitua outra espécie que domine e escravize antes do último raio de luz que iluminará este planeta abençoado, se. Os livros existirão mesmo que não viva quem os leia.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O grito seco, proparoxítono, às costas do concentrado leitor de Saramago. Um tiro à queima roupa na testa do sujeito. À queima roupa na testa, se testa tem lá roupa. Rotineiro pode dizer, quarta ou quinta vez em 2 anos. Não precisava de mais nada além daquele acento sobre o a. Má.
Quando é domingo e não chove os infantos da periferia caçam à rua Reta, aos berros, bolas que mal rolam, não se lê. O Evangelho Segundo Saramago, Caim, espetacular. Certa vez redigi o Evangelho Segundo Márcio, com acento no a, não era argila, era merda de um Deus entediado que, na ausência de ocupação prodigiosa, criou um ser à sua imagem e semelhança com as fezes da recém cagada que dera no mato perto da Lago do Cosmos, peidou e deu vida ao homem. Não satisfeito da merda que tinha feito Deus foi lá e criou a mulher, para o homem um alívio, para o planeta a eterna condenação, a merda se perpetuaria eternamente, com pleonasmo para que entendais o tamanho desta Bosta filha de Deus. Divino e santo ócio. E para que se leia na periferia de domingo é preciso música instrumental em uns bons decibéis, Banda Black Rio para Saramago, concentração máxima, entrega de corpo e alma, cotovelos baseados à mesa e coração e mente a degustar a fantasia humana e a porrada na nuca anuncia, Abaixa o som, após o alucinante salto do coração à boca sucedido pelo, Márcio, apocalipse para Saramago.
O grito seco, Proparoxítono! Os pássaros que anuviam meu intelecto descansavam e tudo estava claro, o céu era azul num domingo de periferia e crianças chutavam bola, o acento no a se fez valer, está lá na certidão, despertou uma revoada que me trouxe até aqui.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O pôr-do-sol do Kobayashi é o mais lindo da cidade. Os prédios decidem o contorno do baixo horizonte. Orientado por um homem da lei, fumar degraus abaixo fora das vistas do velho coronel, chego para o ocaso e o espetáculo de cores lustrosas incendiando minhas pupilas dilatadas, entre telhados entrecortados, pela residência do cidadão presidente, por um prédio torto, soberano oblíquo cria do desperdício. Em homenagem a minha infância escolho o pé de goiabeira e divido espaço com as hostis operárias lava-pés cujas trilhas de feromônio expostas por toda a praça barbarizam os pés desavisados.
É só sentar e anoitecer com o páramo. Recosto à arvore comungo com o todo enquanto só. O silêncio comunga com a paz enquanto reina. E deixa de reinar com o cego mascando chicles, escoltado por um cão e tateando com uma varinha de passeio torta, corta a nuvem de fumaça e sorri. Sorri mascando chicles o cego e o cão rafeiro sorri com o rabo frenético, cercados pelo vapor canibinóico, abana o rabo e respiram. O boa tarde das dezenove e trinta foi o motivo das vozes. E o cego de varinha foi de passeio e escolta, levando a comunhão que encontrou.
Acusaram-me de fácil. Por não lutar pelo conforto, por rir sozinho. A calma pousa nos meus ombros e escorre por todo corpo quando lembro que todos se acusam, tudo faz parte de um jogo obscuro do instinto animal que eu nunca compreendi, por isso não joguei. Quem deserta à guerra é desprezado pela pátria. Uma mão no volante outra no telefone, uma picape preta desembesta pela curva, na direção roleta russa conta com a sorte tão apenas, homem de fé, bola de neve. Nas mãos as diversas sementes me deram escolha e escolhi a que plantar, curioso dos frutos que iria colher. Bisbilhoto a ilusão de outras ramas, quem agora eu seria de gravata, o sapo redimido entrando na carruagem do ano, minha princesa solícita, apaixonada por tudo o que eu tenho, tanto faz. O que eu sou é o que eu escolhi ser. Por isso respiro fumaça no poente de tênis velho, roupa rasgada e cabelos brancos, faro cheiro das frutas e o perfume de mulher que muda o vento, agora oeste, deixa o rastro antecipado a cardar hesitação.
A bela borboleta arredia foi se exibir noutra neblina. Aqui só bateu asas, inclinada. Nada de pousar. Escapa incógnita, adoro borboletas, deixa voar. Delicada, rosa e preto como a moça que desce entre as árvores, vai deixar seu perfume em mim e sumir pelo negrume da já erma e ainda arborizada rua do bairro. Verei ela passar e sumir por aí. Vai passar. Procuro a ventura outrora encontrada no olhar particular das estudantes de história. No íntimo, lamento que não seja Chapeuzinho, já crescida, levando os doces para a vovó. Poderíamos permutar, adoro doce e acho que ela gosta de dar um, dois. Ela tem o açúcar, eu a pimenta. Nessa floresta, não sou lobo nem caçador, não me cabe. Não tem cabimento alguém nessa floresta só olhando, encantado por uma imagem bebendo pelo canudo. Eu querendo ela e outra mulher. Eu querendo e ela outra mulher. Eu olhando a foto dela. Ela me lendo. 0 a 0. Uma lava-pé escala minha perna, enquanto a desvio para uma folha, a dona sem rosto passa e o vento permanece, levando os aromas para longe, rumo ao sol só por um triz livre das trevas. Já não.
A fome avisa que devo caminhar, a lua indica para onde. Lanço a guimba próximo às formigas, se a levam o fungo será canábico e no formigueiro a orgia. De terno malajustado aparece um amarelão com pressa, arfante, enxuga a testa suada e guarda o lenço no bolso da camisa laranja submetida à gravata vermelha, remontam a transição do firmamento há pouco. Pneus gritam longe e o homem diminui o passo, me olha e faz careta concomitante ao som da pancada, como a de um saco que cai do topo e dilacera seu conteúdo. Torno e vejo o rosto da dona perfumada. As vestes negro-rosas talhadas pela rua e sobre o sedã prata abandonado atrapalhando o usuário do telefone publico que clama por ajuda ao fato trágico, há sangue nos enfeites emaranhados e no traço branco do gorro vermelho pendurado no portão de penduricalhos de uma casa viva. Prostrado metade inteira sobre a calçada, metade estraçalhada no meio fio, o corpo, morto? Jaz a cabeça junto ao seio como que se ouvisse o próprio coração parado.
- Pancada da porra! - e secou suor de novo.
Pelo reflexo da lente do óculos do amarelão de gravata eu via as luzes rubro verdes iluminando à proximidade do natal, e lembrei que uma sobremesa me espera em casa.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Alegre vem a chuva,
Em fúria, a tempestade.
As telhas tremem!
Os sapos coaxam
na grama que ri
das árvores que sacodem...
(gotas verd'as folhas)

Os homens fogem,
Fujam! Fujam!
Lá vem o monstro alimentado!
Guardem as chuvas, os guardas-chuva
Aguardem as chuvas,
Construam muros, diques, arcas!

Lá vem a chuva molhar as ruas,
Levar à lama, levar as gentes
Lá vem as chuvas e nunca
a Água há de acabar!


Jami e Cito Rodrigues

sábado, 9 de janeiro de 2010

"A lua, que é a própria imagem do capricho, olhou pela janela enquanto dormias em teu berço, e disse consigo, mesma: - "Esta criança me agrada."
E desceu maciamente a sua escada de nuvens, e deslizou sem ruído através das vidraças. E pousou sobre ti com um suave carinho de mãe, e depôs as suas cores em tuas faces. Então, tuas pupilas se tornaram verdes, e tuas faces extraordinariamente pálidas. Foi contemplando essa visitante que os teus olhos se dilataram de modo tão estranho; e ela com tão viva ternura te apertou a garganta que ficaste, para sempre, com o desejo de chorar.
Entretanto, na expansão da sua alegria, a lua invadia todo o quarto, como uma atmosfera fosfórica, como um peixe luminoso; e toda esta luz viva pensava e dizia:
- Tu sofrerás eternamente a influência do meu beijo.
Serás bela à minha maneira. Amarás o que eu amo e o que me ama: a água, as nuvens, o silêncio e a noite; o mar imenso e verde; a água informe e multiforme; o lugar onde não estiveres; o amante que não conheceres; as flores monstruosas; os perfumes que fazem delirar; os gatos que desmaiam sobre os pianos e gemem que nem as mulheres, com uma doce voz enrouquecida!"

Os Benefícios da Lua - Charles Baudelaire

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Embriagado com seu beijo
Me perdi pela cidade
Soneguei idade
Em nome do desejo

Um coração que me abrigue
Era a procura
O seu abraço, a cura
O seu nome?

Você que, como uma punhalada
Meu coração triste invadiu,
Você que, forte como manada
De demônios, louca surgiu

Faz em mim uma bagunça
Com esse olho de ilha deserta
Assim eu senti, nunca
Esperança de felicidade certa

Essa voz doce que conforta
Minha vida insana e torta
Profere grandes dizeres
Faz-me ter fé na calma
Acalanta minha alma
Desperta estranhos poderes.

Pequena
Não sei o que faço
Para ter seu abraço
Enquanto respirar.
Se errado fizer
Foi querendo acertar
Mais ainda te amar
Pra lhe ter como mulher.