segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A mulher no passadouro não passa e me olha. Parada lá só ela, veste vermelho e quieta me admira. Ela sabe do que é feita e atiça o meu tesão, não me acena, alvinha, negaceia e de fininho ri.

domingo, 8 de novembro de 2009

E enquanto correm, os dois gatos pretos sobre o muro, a árvore me apóia e minha boca o cigarro. Modos de macho e as modinhas de fêmea. Ela passa sugando num canudo goles de felicidade enrustida, clandestina, passa não, desfila, passa ou desfila? passa em exposição, sem ver o vigia catando a poesia que entorna no chão. Vejo Chapéuzinho Vermelho indo à casa da vovó e desejo. Ela, a cesta, a ventura escondida naquele olhar e a lua egrégia que ilumina a trilha por onde vem. Pra quem.
Range a porta e dela uiva o lobo cinza, soberano deste recanto, vem tomar o que é dele por direito.
Um dos gatos pula do muro enquanto o maior para e olha com seus olhos vivos e tristes de gato escaldado pela miséria, a escuridão da sombra onde a lua não obsequeia.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A porta, verde. A sala, escura.
Alentados pela rubra luz penetrando à janela, dois pares de olhos se olham, cintilam. Sentem o cheiro um do outro, os pelos negros e no ar, neles, o deleite da agradável emanação dos corpos que se ordenam, se supõe, se admitem? e se. Deslocam, giram, transitam pelo espaço escuro da grandeza sombria onde são senhores. Amplo intervalo entre os limites da solidão, da natureza.
Verde, mesmo no escuro, range a porta.
Dois gatos pretos correm pelo muro.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Já são 3 anos. O céu não chora mais seus mortos.
Já são 3 anos. Meu Pai não chora mais por mim.
Lá de cima eles já nos abandonaram. Talvez de desgosto pelo que nos tornamos.
Talvez descobriram o que somos. Humanos vivos.
Eu espero pelo dia segundo do penúltimo mês, é o meu aniversário, não importa quanto tempo eu passei nem quanto eu ainda terei, é o meu dia e o dia dos mortos. Não nasci nesse dia e essa é a minha data. Faltam 10 horas para acabar o dia e o céu me avisa que não terei, não hoje, não neste ano, a glória de chorar junto dele por todos aqueles que amamos e já não mais temos ao lado.
Há 5 anos, 4 meses e 1 dia eu conhecia o mundo dos mortos.
Já são 3 anos que não choramos juntos.
E eu, como um rato, roera a corda do tempo que desabou nas minhas costas, já cansadas de carregar o fardo de não poder chorar com o céu o dia dos mortos. De não poder misturar minhas lágrimas as lágrimas daqueles que choravam a nossa condição. De não lavar a minha alma com o dor dos que já passaram. Já são 3 anos desse maldito céu azul, no meu dia, no único dia que reinvindico meu.
Essa corda.
Talvez o desprezo de tudo comigo seja o espelho do meu desprezo para com tudo.

domingo, 1 de novembro de 2009

Eu roera as cordas e o tempo desabou nas minhas costas, já cansadas de carregar o fardo de amar mulheres sanas, mais que perfeito do indicativo, eu caíra de joelhos ante seu desprezo quando me ignorou parada ao semáforo, seus olhos refletindo o vermelho do sinaleiro, fechados para mim, olhava os verdes de qualquer alguém que te ignore, esperando sua vez de ser traída. Uma mulher espera, antes de tudo, que seu homem a faça sofrer; um homem que não planta lágrimas no terreno fértil da esperança feminina não será amado. Você odeia a cor dos seus olhos e o faz com um silencioso furor de rainha louca que não pode escolher seu fanal, está condenada a esperar seu príncipe, que seria seu rei mas que não vai chegar e, se souber que está sendo amada em segredo, no silêncio do quarto escuro, ainda mais o seu desprezo eu vou experimentar. Eu amo o amor dos marinheiros que beijam e vão embora, prometem nunca mais voltar até que um dia encontram a morte sob o leito do mar. Amo o amor do poeta Neruda que me ensinou que amar é sofrer na vastidão do metro quadrado onde me deito sem você. Onde você nunca irá deitar. E eu não vou te falar. Quero só te amar, não vou deixar você, mulher, estragar isso que tenho aqui fervendo no peito, apenas pelos meus olhos não estarem verdes para você.
Odeio saber que ainda posso amar.
Odeio não ter espinhos contra isso.
Odeio ser uma merda inerme, que nem o luxo do fedor tem para se defender.