quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dez/12

Do alto do morro avisto a periferia em paz na noite quente de dezembro. A comunidade de alvenaria laranja e cinza cortada por caminhos irregulares e estreitos termina em degraus dissimétricos que conduzem ao campo de futebol no cume, de onde agora avisto as luzes coloridas indicando casas justapostas pela necessidade de um lar, engenharia malabarista na encosta perigosa. Um primor arquitetônico espalhado pelo lado da montanha onde migrantes desfavorecidos repousam.
O álcool e a química contaminam o pacifismo da periferia. Os bares disputam clientes com as igrejas, abençoados são os que esquivam-se destes lazeres e chegam ao alto apenas com as verdades da natureza divina. Caminhando para cima, eu vejo no beco ermo uma negra gingando entre as paredes, sorrindo por onde passa ela acena, cumprimenta e pega uma seda da mão de alguém que a beija o rosto. Devolve a graça e me aponta, alto no campo de futebol.
Na minha mão, já esmiúçado, aguarda um punhado de maconha pela sua noiva que virá lhe envolver formando os dois um só corpo de amor e fecundidade. Na passada larga sobre as sandálias, os degraus calcados pela persistência da passagem elevam ao cime geográfico a mulher e o papel. Com a estampa do Sabotage na camiseta ela me estende a mão em reverência e reproduzo o gesto, há espaço no banco de madeira onde me acompanha no repouso às pernas e contemplação à vista da margem da cidade. O mesmo vento que roça a face impede o desenvolver de um baseado carburante e por instantes o trabalho permanece inacabado. Palavras ao vento, ante-sala da fumaça.
- E lá embaixo Negahá, tá suave?
- Fiquei no mantra, polícia sai do pé, polícia sai do pé que eu vou dar um pega...
- Pura neurose, na perifa a repressão é a mesma de sempre. (...) O inferno está em festa, o Tuma morreu... - Respiro e o vento cessa. Ela coça o braço e olha minha mão.
- Bola logo esse fininho e vê se fuma até umas hora, sem miséria, do verdinho.
Existem dezenas de maneiras de se apertar um bom carburante mas se o fumo não é bom não há milagre a ser feito. Um bem apertado é de respeito. A erva deita sobre o lenço branco, ganha forma enquanto se acomoda no espaço que lhe cabe. Dou o nó, passo a goma e a chama ofusca minha visão: queima como a vela ao santo. A noiva abraça seu homem e dali nasce o fruto da união: a paz. Da minha mão chega às mãos fortes e  delicadas de mulher que ganha a vida trançando o cabelo das irmãs de cultura nas periferias do ABC Paulista. E a fumaça nos envolve e eleva o pensamento à dimensão espacial onde os limites são estabelecidos pelo bom-senso das pessoas de bem. Na noite quente de dezembro, do alto do morro assisto a cidade em seus caminhos tortos.
Vou agradecendo a vida que Deus do Céu mandou.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os bloqueios estendem-se pela avenida. Eu pulo dum, desvio doutro, atravesso aquele e paro no menor. O menor está armado e ignora o que todos acham. Todos acham. Outros tem certeza por esmiúçarem vírgulas. Bloqueado eu caminho, ainda não sei para que. Pergunto-me: estou fazendo hora extra aqui? 
Nunca gostei de fazer hora extra.