quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O pôr-do-sol do Kobayashi é o mais lindo da cidade. Os prédios decidem o contorno do baixo horizonte. Orientado por um homem da lei, fumar degraus abaixo fora das vistas do velho coronel, chego para o ocaso e o espetáculo de cores lustrosas incendiando minhas pupilas dilatadas, entre telhados entrecortados, pela residência do cidadão presidente, por um prédio torto, soberano oblíquo cria do desperdício. Em homenagem a minha infância escolho o pé de goiabeira e divido espaço com as hostis operárias lava-pés cujas trilhas de feromônio expostas por toda a praça barbarizam os pés desavisados.
É só sentar e anoitecer com o páramo. Recosto à arvore comungo com o todo enquanto só. O silêncio comunga com a paz enquanto reina. E deixa de reinar com o cego mascando chicles, escoltado por um cão e tateando com uma varinha de passeio torta, corta a nuvem de fumaça e sorri. Sorri mascando chicles o cego e o cão rafeiro sorri com o rabo frenético, cercados pelo vapor canibinóico, abana o rabo e respiram. O boa tarde das dezenove e trinta foi o motivo das vozes. E o cego de varinha foi de passeio e escolta, levando a comunhão que encontrou.
Acusaram-me de fácil. Por não lutar pelo conforto, por rir sozinho. A calma pousa nos meus ombros e escorre por todo corpo quando lembro que todos se acusam, tudo faz parte de um jogo obscuro do instinto animal que eu nunca compreendi, por isso não joguei. Quem deserta à guerra é desprezado pela pátria. Uma mão no volante outra no telefone, uma picape preta desembesta pela curva, na direção roleta russa conta com a sorte tão apenas, homem de fé, bola de neve. Nas mãos as diversas sementes me deram escolha e escolhi a que plantar, curioso dos frutos que iria colher. Bisbilhoto a ilusão de outras ramas, quem agora eu seria de gravata, o sapo redimido entrando na carruagem do ano, minha princesa solícita, apaixonada por tudo o que eu tenho, tanto faz. O que eu sou é o que eu escolhi ser. Por isso respiro fumaça no poente de tênis velho, roupa rasgada e cabelos brancos, faro cheiro das frutas e o perfume de mulher que muda o vento, agora oeste, deixa o rastro antecipado a cardar hesitação.
A bela borboleta arredia foi se exibir noutra neblina. Aqui só bateu asas, inclinada. Nada de pousar. Escapa incógnita, adoro borboletas, deixa voar. Delicada, rosa e preto como a moça que desce entre as árvores, vai deixar seu perfume em mim e sumir pelo negrume da já erma e ainda arborizada rua do bairro. Verei ela passar e sumir por aí. Vai passar. Procuro a ventura outrora encontrada no olhar particular das estudantes de história. No íntimo, lamento que não seja Chapeuzinho, já crescida, levando os doces para a vovó. Poderíamos permutar, adoro doce e acho que ela gosta de dar um, dois. Ela tem o açúcar, eu a pimenta. Nessa floresta, não sou lobo nem caçador, não me cabe. Não tem cabimento alguém nessa floresta só olhando, encantado por uma imagem bebendo pelo canudo. Eu querendo ela e outra mulher. Eu querendo e ela outra mulher. Eu olhando a foto dela. Ela me lendo. 0 a 0. Uma lava-pé escala minha perna, enquanto a desvio para uma folha, a dona sem rosto passa e o vento permanece, levando os aromas para longe, rumo ao sol só por um triz livre das trevas. Já não.
A fome avisa que devo caminhar, a lua indica para onde. Lanço a guimba próximo às formigas, se a levam o fungo será canábico e no formigueiro a orgia. De terno malajustado aparece um amarelão com pressa, arfante, enxuga a testa suada e guarda o lenço no bolso da camisa laranja submetida à gravata vermelha, remontam a transição do firmamento há pouco. Pneus gritam longe e o homem diminui o passo, me olha e faz careta concomitante ao som da pancada, como a de um saco que cai do topo e dilacera seu conteúdo. Torno e vejo o rosto da dona perfumada. As vestes negro-rosas talhadas pela rua e sobre o sedã prata abandonado atrapalhando o usuário do telefone publico que clama por ajuda ao fato trágico, há sangue nos enfeites emaranhados e no traço branco do gorro vermelho pendurado no portão de penduricalhos de uma casa viva. Prostrado metade inteira sobre a calçada, metade estraçalhada no meio fio, o corpo, morto? Jaz a cabeça junto ao seio como que se ouvisse o próprio coração parado.
- Pancada da porra! - e secou suor de novo.
Pelo reflexo da lente do óculos do amarelão de gravata eu via as luzes rubro verdes iluminando à proximidade do natal, e lembrei que uma sobremesa me espera em casa.

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